quarta-feira, 17 de abril de 2013

Antes tarde do que nunca.

     Roberto cresceu ouvindo o pai, polonês convicto, que homem que é homem não dá muita bola para coisas femininas. Logo cedo ouviu um "ela não serve pra você" e a partir da primeira desilusão amorosa aprendeu a selecionar até as paixões platônicas. Gostava dos amores sofridos e calados. E quando sofria, ninguém sabia.
     Até que conheceu Ana Júlia. O tipo de mulher que ele nunca se interessaria. Não tinha os moldes que ele acreditava que deveria ser uma mulher para chamar de sua. Mas que raio de olhar era aquele que Ana Júlia tinha? Um sorriso que todos ao redor eram contagiados, inclusive Robertinho, que obviamente não aceitava que Jú lhe causava todo este torpor. E cada vez que ele sacudia a cabeça e falava que não pensaria mais naquela mulher, ela dava um jeito de ser mais necessária para ele, todo dia. Tão diferentes e tão iguais. Ela conseguia ter milhares de defeitos e todas qualidades possíveis. Só ela tinha tantos tipos de sorrisos quando ele se deliciava em desvendá-los.
    Roberto se rendeu, mas deixou umas reservas e um afastamento necessário para sua sobrevivência, afinal seu lema era: Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim. E quando ele tinha certeza que estava blindado, uma fortaleza, Ana Júlia dava uma gargalhada que virava um som de porquinho que a deixava tão linda e irresistível. 
     O maior defeito de Ana Júlia era a ansiedade, ela estava num momento da vida que o sonho de casar e ter filhos estava aflorado. E Roberto não aceitaria o fato da ideia ter partido dela. Ela cobrava atenção, e ele pensava que da maneira que estava já estava de bom tamanho. Ana Júlia era antenada, vivia na internet e aderiu ao mundo hitech e queria que Roberto pensasse da mesma forma. Roberto, impávido colosso não só continuou na dele como não alimentava a manifestações públicas de amor que Ana tanto queria. 
     "Meu amor eu coloquei uma foto nossa e você nem curtiu!" Se lamentava Ana, enquanto Roberto pensava em algo melhor pra fazer, seu videogame por exemplo. Mas seguiam os dois, como Eduardo e Mônica, como Lampião e Maria Bonita...o diferente que se completava.
      Até que Ana foi embora para Polônia. Que ironia. Ela tão sentimental,  voando com seu sorriso, seus olhos e seu jeitinho de amar, para um lugar tão frio e calculista. Ela se foi porque queria mais, queria tudo e Roberto... ah, Roberto passou dias na certeza de que foi o melhor. "Ela não servia mesmo pra mim." Mas que dor era aquela que fez Roberto, o implacável, chorar e chorar e querer tudo de volta? 
      A dor passou (ela sempre passa), e Roberto hoje curte tudo, curte e compartilha. Aderiu totalmente a esta geração moderninha e cheia de contatos. E até isso faz lembrar Ana Júlia...às vezes pensa que poderia ter cedido antes. Cedido a tudo! Mas não, tudo está no lugar e assim permanecerá. Ana Júlia hoje é apenas uma foto com um olhar meio vazio (ele interpretou bem?) onde ele tem ímpetos de curtir. Antes tarde do que nunca.

Um dia. (Carpinejar)

                    Não resisti e vou postar o texto do Fabrício Carpinejar. Afinal eu senti um não-sei-o-quê, de emoção, de identificação. Há uns dias tive este pensamento: de que o passado e as pessoas se foram junto com ele, não deve ser motivo de péssimas lembranças....





 Um dia


 Um dia você vai agradecer as separações. Agradecer um por um dos rompimentos, uma por uma das fossas, uma por uma das portas fechadas em sua cara, uma por uma das infiltrações pelo pulmão. 

 Um dia você vai se desculpar por sofrer, você se livrará dos ressentimentos e das vinganças. Um dia você se verá feliz por ter estado triste. 

 Um dia entenderá que o destino realmente faz sentido, e que a falta de sentido ainda era caminho. Um dia você perceberá a clara diferença entre orgulho e confiança, entre obsessão e paixão, entre fantasia e sonho. 

Quando você finalmente encontrar a mulher de que precisava não conservará ódio por nenhuma ex. Mesmo a mais ingrata, a mais perversa, a mais intrusiva. Quando você descobrir que não precisou inventar a mulher que você ama, que ela existe com toda telepatia e compreensão que jurava jamais testemunhar, você olhará o passado com empatia e sincero perdão. Será generosamente imprevisível. Não mascará fofocas, apagará os desaforos, conhecerá a gentileza de dia e o cuidado de noite. Derramará em seu sangue uma overdose de ternura. Seus olhos estarão empilhados de estrelas. Os engradados das árvores estarão sendo abertos pelo jorro da luz. 

 O amor é libertador, o amor é a redenção fiscal, o amor de verdade expira as sentenças. A vontade é preparar uma farta cesta de frutas e produtos especiais para as ex-mulheres. Gastar o salário do mês combinando iguarias de fino trato. 

 É meu modo de mostrar que estou imensamente feliz por falhar antes e me permitir viver o essencial agora. O ímpeto é organizar um berço de fragrâncias e champanhes, conciliar vinhos da Nova Zelândia com patês franceses. Reunir bandeiras e promessas do oceano. Montar uma manjedoura com palha ao fundo daquilo que há de melhor e mais caro na estante de importados. Uma barca com especiarias da Índia, pepinos do México, azeitonas da Itália, ovos de codorna do Peru e doce de leite da Argentina. Uma caixinha sortida e colorida com direito a Panetone, passas e castanhas de caju. Uma cesta graúda com celofane amarelo que alegrava os Natais da minha infância.

 E escrever apenas “Obrigado”. Sem maiores informações. 
 O milagre é cristalino. 
Não é possível guardar rancor. 




  Um bom método para seguir a vida...